segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Viajando no passado

Eu estava voltando para casa outro dia, ouvindo um CD com uma coletânea de músicas dos anos oitenta. Distraída, eu me deixei levar pelo som em um tobogã de rápidas lembranças. A música tem esse poder. É uma prece que nos coloca em contato com o celestial, levitando nosso corpo e permitindo que nossa alma liberte-se das terrenas preocupações. Eu gostava muito daquela música, mas foi somente agora que percebi o solo de violinos. Eu que amo violinos, os ignorava quando mais jovem. A infância é assim, nunca estamos em silêncio. Envelhecer tem suas vantagens. 

Naquela época, as crianças andavam soltas pelas ruas, encontrando-se após as aulas para brincar ou fazer trabalhos escolares. As maioria das mães não trabalhava fora, então o café da tarde era normalmente com bolinhos de chuva ou bolo de chocolate, feitos na hora. A educação da criança era quase tribal: aprendíamos umas com as mães das outras. Na saída, uma mãe costumava dizer: “Não toque a campainha insistentemente, apenas uma vez e aguardem!”. A outra, mais preocupada: “Nunca conversem com estranhos”. Os avôs nos contavam estórias enquanto nos deliciávamos com o cheiro de café com leite e pão quente – caseiro, claro - com manteiga.

Havia também a casa dos avós, muitas vezes no mesmo quintal. Alguns que haviam partido, outros que moravam com os filhos, mas o lar permanecia ali, um museu de móveis antigos e cristaleiras de diamantes. Na casa de algumas amigas, estudávamos nessas casas desabitadas, desde que prometêssemos não mexer em nada. E não mexíamos! O passado assoviava em nossos ouvidos que aquele templo merecia respeito.
Quando não bastava consultar na Enciclopédia Barsa, íamos à biblioteca emprestar livros, fazíamos cópias e passávamos a tarde elaborando alguma tarefa. Uma de minhas amigas, a Sonia, a mais habilidosa de todas, desenhava muito bem. Lembro-me de um Padre Anchieta que ela pintou na capa de veludo preto, belíssimo. Não havia obviamente internet, “copiar e colar” como hoje. A criatividade, o trabalho em grupo, o aprendizado com as diferentes famílias nos tornava pessoas emocionalmente mais maduras.

Eu sempre fui péssima em artes, mas adorava estudar. Outra amiga gostava muito de desenhar, ela fazia meus mapas e eu corrigia a lição dela de matemática. Isso foi antes do ensino médio, quando eu ainda entendia a matéria. Depois, deixou de ser algo que eu dominasse e até hoje me perco em álgebra e equações de diversos graus. Tínhamos uma professora japonesa – quem nunca teve um professor ou professora oriental? – que “deixava” todos os alunos de recuperação de inglês. O inesquecível nome dela era Tieko, uma senhora franzina e delicada de meia idade, mas para nós – alunos-, era como se um dinossauro entrasse na classe quando a víamos, de puro medo. Tudo besteira, ela gostava de disciplina, mas era carinhosa com os alunos. Eu gostava de idiomas e era sua assistente nas épocas de recuperação.

Nós alunos nos ajudávamos, não podíamos pagar professor particular. Havia interesse em passar de ano e respeito, muito respeito pelos professores. A diretora da escola era a figura máxima de autoridade. Ser convidado a conversar com ela era sinal de problemas muito sérios. Hoje, as crianças não respeitam nem os pais, que passam pouco tempo com elas e muitas vezes não sabem como foi o seu dia, se tinham trabalhos escolares, se comeram bolo no café da tarde ou se choraram a tarde toda porque brigaram com um coleguinha. Os pobres professores são atacados verbalmente – quando não fisicamente – e os pais quando chamados os protegem e procuram culpados outros.

Pensando nisso, Deus fez o domingo para pais e filhos se confraternizarem e resgatarem um pouco desse contato cotidiano que hoje não é mais possível. E para que nós, adultos, saibamos a importância da infância, Ele fez a música, que tem o poder de nos transportar no tempo num piscar de olhos, desconectando-nos de nossas preocupações e permitindo que reflitamos sobre o que desejamos para os nossos pequenos.


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Comentários:


Anônimo disse...
Oi, Simone querida!
Postei sua matéria no meu blog particular. Ri bastante, lembrando de uma professora de matemática, Japonesa, puquuena e magra, era nosso terror. Havia alunas que tinham dor de estômago qdo ela entrava na sala. Teve um ano que ela deixou todas as alunas de "segunda -epoca", não havia recuperação. Nem sei como consegui passar de ano! Enfim, tudo passa. Ficam as lembranças pra quem, como nós tem boa memória, não é?
Bj e obrigada,
Regina

--
Regina Sormani
coordenadora regional AEILIJ SP

domingo, fevereiro 27, 2011 10:40:00 AM
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 Anônimo disse...
Parabéns e para ficar no clima: Nota 100, com louvor.
Ico

segunda-feira, fevereiro 28, 2011 4:49:00 PM
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 Anônimo disse...
Bela transposição para a nossa memória de hoje, daqueles tempos maravilhosos que tão bem você colocou nessa crônica,

Meus parabéns e obrigado, por fazer recordar daqueles momentos tão inocentes de nossa época de juventude.

Abraços extensicos à sua família.

segunda-feira, fevereiro 28, 2011 4:50:00 PM
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 Anônimo disse...
SI,MEU AMOR!!!!!
TÔ COM SAUDADE DE VC,NÊGA....
SUAS HISTÓRIAS SEMPRE TÃO GOSTOSAS,ESSA ME FEZ VOLTAR LÁ PRO SESI,E PRO ANA PAES...
TEMPOS LINDOS(NÃO QUE O TEMPO PRESENTE NÃO SEJA LINDO,COM NOSSAS CRIAS,NOSSAS DESCOBERTAS DE VIOLINOS NO ARRANJO TÃO OUVIDO,MAS AQUELES TEMPOS,MEU DEUS...)
É SEMPRE UM PRAZER LÊ-LA,SI.

segunda-feira, fevereiro 28, 2011 9:27:00 PM
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 Sonia Sambra disse...
Si...lembro-me desse Padre Anchieta...rsrs... lembro até que esse nosso trabalho ficou exposto. Nossa que orgulho né??... Eu tenho alguns desenhos aqui em casa qdo fiz um curso em 92, 93... depois disso não desenhei mais. Mas... é incrível vc resgatar essas memórias. O tempo inesquecível...rsrs

quinta-feira, junho 23, 2011 5:22:00 PM

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Therezinha D. Brissola - UBT São Paulo


A Therezinha fez uma trova em minha homenagem que sou obrigada a publicar, emocionada:

Há certos dias tristonhos
em que um livro me faz bem
e enquanto não tenho sonhos
vivo dos sonhos de alguém.

Obrigada, minha querida irmã de sonhos!

Outra dela:

Se a cruz é leve ou pesada,
para quem crê, não importa...
Deus nos dá, para a jornada,
o peso que a fé suporta!

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Abandono


Você partiu sem despedidas nem explicações
Eu busquei respostas no passado que preenchessem o vazio
O porta-retrato no lixo eu recuperei
Um pijama que não será lavado
Mosaico da tua presença impregna os sentidos
Lembranças de frases jogadas:
“Controladora...”
“Enruga as minhas asas...”
“Vai: destranca a gaiola...”

Era um ninho aberto
Você não sabia?
Enruguei minhas asas porque quis
Subi grades imaginárias
Em minha volta
Agora
Não beijarei flores perfumadas ,
Caminharei por becos imundos, sozinha

Sem você, não sou borboleta
Sou lagarta, agarrada, desconfiada

Do que tenho medo? Não é medo de cair.
É medo de te ver voejar em outro jardim.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Trovas maravilhosas


Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor
finge tão completamente,
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente.

Olavo Bilac:

Mulher de recursos fartos!
Como é que está impenitente,
tendo no corpo dois quartos,
dá pousada a tanta gente?

Menotti Del Picchia:

Saudade, perfume triste
de uma flor que não se vê.
Culto que ainda persiste
num crente que já não crê.

Mário de Andrade:

Teu sorriso é um jardineiro,
meu coração é um jardim.
Saudade! Imenso canteiro
que eu trago dentro de mim.

Cecília Meireles:

Os remos batem nas águas:
têm de ferir para andar.
As águas vão consentindo
- esse é o destino do mar.

Carlos Drummond de Andrade:

Solidão, não te mereço,
pois que te consumo em vão.
Sabendo-te, embora, o preço,
calco teu ouro no chão.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

As noites desestreladas

Quem nunca observou um filtro? Dos antigos de barro que deixavam a água com um sabor inesquecível aos modernos e tecnológicos filtros acoplados diretamente na passagem da água. Alguns filtros são transparentes, para o nosso deleite. Podemos observar as impurezas contidas nas pedras ou areia e a água cristalina trazendo saúde e bem-estar. O ser humano tem um corpo fantástico que funciona de formas ainda não totalmente explicadas.

Conhecemos apenas o que a experiência nos ensinou e a ciência comprovou: para evitarmos doenças temos que evitar a ingestão de substâncias tóxicas. Higiene, boa alimentação e exercícios são fundamentais. O mesmo serve para nossa saúde mental: para evitarmos doenças temos que em primeiro lugar evitar a ingestão de pensamentos sujos ou tóxicos. Temos que desenvolver um filtro natural. Vivemos em um mundo injusto e maldade contamina. A indignação só tem serventia se for usada para gerar atitudes concretas e transformadoras, como vimos no Egito, recentemente. Reclamar aos quatro ventos não muda a previsão do tempo. Ou você procura a pessoa diretamente e sugere uma transformação, ou melhor, não reclame e use esse tempo – e energia – em algo construtivo e do bem.
   
Não é fácil. Muitas pessoas não são capazes de ouvir críticas, vivem em uma bolha e acreditam ser a própria perfeição, superiores aos outros e em posição de criticar toda a humanidade. Como os músculos atrofiam se não forem exercitados, a boa vontade atrofia se não for usada enquanto fortalecemos a maledicência. Vivemos tempos em que as pessoas voam elevadas por egos inflados ou caem em depressão quando a realidade se apresenta provando que suas asas não são tão especiais assim. Outras aprenderam a usar o fogo da boca como dragões medievais: queimam toda a alegria de quem está próximo. Triste de dar dó.

A mídia nos mostra crueldades piores que da pré-história, quando se matava para sobreviver e não por prazer.  Esse é o papel da imprensa, mostrar a realidade e lutar pela justiça, denunciar os criminosos, apurar os fatos. Os filtros pessoais têm a finalidade de nos poupar o quanto for possível desse imenso desgaste cotidiano, que mina nossa energia e afeta nosso equilíbrio e energia e de nos afastar das pessoas que só trazem tempestades em nossas vidas.  Cabe a cada um de nós a escolha:  ser a água suja, a areia que tudo suga ou a água límpida.

O pensamento é a água. Somos seres líquidos, fluídos e leves por natureza. As impurezas retidas nos tornam pessoas pesadas de rancor que se arrastam por imundícies, borrifando lama em todos que se aproximam. Não permita que seus pensamentos sombrios o dominem e o transformem em fonte de água escura que contamina quem dela bebe. Faça uma faxina mental e espiritual, deixe a inveja, o ódio, o egocentrismo e a competição de lado. Dome o ego como se encanta um animal selvagem, aos poucos, com muita paciência e amor. Um pensamentos doentio é forte o suficiente para domar a mente, se você não for mais forte que eles.
Quantas vidas serão mais saudáveis por causa do seu filtro? Na hora da injustiça, se puder agir concretamente, o faça. Ações são importantes e ninguém deve ser omisso. Mas não perca o seu dia nem a sua vida reclamando dos outros, conhecidos ou pessoas públicas, focando somente no que há de errado no mundo. Gosto dos japoneses, eles trabalham muito e falam pouco.

Quanto tempo se perde em um dia falando mal da vizinha, do primo, do político, do jogador de futebol, da comida salgada, da sujeira que o vento trouxe? Nós todos temos uma sombra dentro de nós, faminta e desesperada. Ela se fortifica de palavras malignas, que percorrem todo o corpo, escurecem a mente, o coração e os olhos, tornando dias em noites eternas e desestreladas. Quando soltas são aves selvagens, costumo dizer, e não regressam nunca mais. Saem desenfreadas, machucando por onde passam, ferindo e deixando cicatrizes com suas afiadas e sujas garras.

Alimente as palavras-aves com muito cuidado, para que elas não fujam da sua boca. A palavra mal dita (maldita?) pode ser perdoada, mas nunca será esquecida. Destrói relações, consome simpatias, afasta as pessoas e prolifera descontroladamente, fazendo assim mais mal para quem as gerou do que para quem passou perto e feriu-se delas. As pessoas gostam de um pouco de discussão para sair da rotina, mas quem consegue ficar o dia todo ouvindo alguém reclamar?

Você conhece alguém assim?

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Comentários:


Anônimo disse...
Olá Simone, gostei do texto. Parabéns!
abç
Domitilla
domingo, fevereiro 20, 2011 11:32:00 PM
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 Anônimo disse...
repassei...
Mauro
domingo, fevereiro 20, 2011 11:33:00 PM
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 Anônimo disse...
Adorei!
Salete
domingo, fevereiro 20, 2011 11:33:00 PM
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 Anônimo disse...
Olá Simone.
Belo texto, de uma reflexão muito grande sobre o que pensamos de nossas atitudes.
O ser humano por natureza é um reclamador, mas a dosagem é que deve ser dominada por quem reclama.
Devemos então sempre fazer uma boa análise de consciência do que devemos reclamar, e se os nossos reclamo's encontrarão guarida no seio da sociedade.
Porque reclamar só por reclamar não adianta nada. Temos que endereçar o nosso
descontentamento, para o canal certo, de competência para solução.
Entretanto, penso que , se não conseguirmos encontrar ecos para nossas vozes, devemos nos dar satisfeitos, por contribuir com alguma coisa para melhoria, mesmo que seja em nosso próprio coração, fazendo assim, um bem estar para a nossa auto-estima.

Um abraço
Toninho
domingo, fevereiro 20, 2011 11:33:00 PM
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 Anônimo disse...
Perfeito! Ninguém merece gente que reclama o dia inteiro!
Silvia
domingo, fevereiro 20, 2011 11:34:00 PM
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 Anônimo disse...
O difícil é controlar a sombra...
Rui
domingo, fevereiro 20, 2011 11:35:00 PM
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 Anônimo disse...
Coloquei no blog da Apolo.
Ricardo
domingo, fevereiro 20, 2011 11:35:00 PM
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 Anônimo disse...
Mone,
Você sempre escreveu, eu me lembro de quando você era criança e escrevia na escola...
Parabéns!
Marcinha
domingo, fevereiro 20, 2011 11:36:00 PM
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 Anônimo disse...
Simone,
Uma ótima crônica. Ótima mesmo.
Abilio
segunda-feira, fevereiro 21, 2011 4:49:00 PM
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 Anônimo disse...
Demorei para ler por falta de tempo e agora resolvi tirar 2 minutinhos para isso.

De fato adorei, e acredite, li no dia certo, nada é por acaso mesmo nesta vida, rs, eu estava chateada justamente por pessoas que agem assim, sem filtro.

Belas palavras que me acrescentaram, e muito, obrigada, beijos!
Deni
quinta-feira, fevereiro 24, 2011 12:44:00 PM

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O Ciclone


O ciclone se aproximou
com imensa força e rapidez
as nuvens densas
escondiam seu interior
extasiada com tanta volúpia
permiti que se aproximasse
dancei em seus ventos
rodopiando centro acima
subia e subia
cada vez mais imersa
nessa nova vida
distante da terra
meus pés flutuavam
nada mais existia
além do ciclone e eu.

Um livro do qual gostei muito

Condomínio dos Monstros
autor: Alexandre de Castro Gomes

Os tempos mudaram e hoje muitos moram em apartamentos, obrigando as pessoas a aprenderem a conviver em grupo de forma muito próxima. Nossas crianças brincam no playground e na piscina do prédio, ou visitam amigos em condomínios. Dessa nova realidade, surgiu a sacada inteligente do autor, quando escreveu Condomínio dos Monstros. A qualidade do texto não parou por aí. Pior ainda entre monstros, o convívio social deles é complicado e respeitar as regras é fundamental. Quando a múmia sentiu-se impossibilitada de dormir seu sono milenar por causa do barulho dos vizinhos monstros, marcou uma reunião com a galera. Se o Esqueleto não faz barulho, suja por onde passa com seus ossos que caem. O Fantasma arrasta as correntes e o Lobisomem é pulguento. E quem será que aperta todos os botões do elevador? — perguntam ao Saci... Após uma negociação, uma das partes não cumpre o prometido e assim, os monstros são obrigados a buscar uma nova solução... O livro tem muitas tiradas inteligentes, humor agradável e um texto delicioso que agrada tanto os grandes quanto os pequenos. Para completar, aparece a ilustradora em seu primeiro trabalho, provando que veio para ficar. A bruxa traja vestido fashion de renda, as imagens são complementadas com detalhes que enriquecem e agradam os pequenos. 

Hoje, ambos – autor e ilustradora – têm inúmeros trabalhos publicados e outros tantos em processo de publicação, o que só comprova a qualidade da dupla. Publicado pela RHJ, autor Alexandre de Castro Gomes e ilustração de Cris Alhadeff.

(blog AEILIJ PAULISTA: http://www.aeilijpaulista.blogspot.com/)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A Barca


A barca parou cansada sobre as marolas suaves e sentindo a brisa salgada do mar, suspirou aliviada... A tempestade havia cessado, e ela sobrevivera mais uma vez. O mar era como a vida, de repente, tudo mudava, os ventos modificavam os caminhos, e seu sopro nos conduzia à destinos por ele escolhidos, sem nos consultar.

Mas a barca estava cansada também de navegar por tantos mares verdes, sem ter uma companhia. O pôr-do-sol ainda a seduzia, mas desejava contemplá-lo acompanhada ao menos uma vez, para saber se enxergaria outras cores que não conhecera até então.

Sentindo uma nostalgia de um dia que nunca houvera, a barca recomeçou seu caminho, deslizando suavemente pela espuma das ondas indomáveis, que por vezes lhe eram carinhosas, em outras, inimigas, jogando-a para cima e para os lados, deixando-a sem sentido de direção, forçando-a a reunir todas suas forças, na tentativa de resgatar o controle de algo que nunca tivera.

Inesperadamente, algo lhe chamou a atenção. Sempre que navegava, apreciava outras barcas que por ela passavam, mas sem maior interesse do que observar o que os mares escondem, e às vezes revelam sem querer.

Aquela barca que via na linha do horizonte, era muito diferente de todas as barcas que ela já havia visto passar. Algo a atraia àquela barca, com uma força inexplicável. A barca bem que tentou se conter, mudar de rumo, ou simplesmente parar, mas foi tudo em vão. Como um imenso imã, foi atraída por aquela barca misteriosa e aos poucos foi aceitando que os ventos a envolvessem e a levassem naquela direção. Precisava descobrir o que lhe causara tanta inquietude.


Ao aproximar-se, percebeu que as cores da outra barca cintilavam quando tocadas pelos raios de sol naquele fim de tarde. Foi então tomada por uma imensa paz, como jamais sentira. E aos poucos, foi permitindo-se aproximar-se da outra barca, que ao percebê-la, alinhou-se de forma que ela pudesse parar bem ao seu lado.

As velas da barca batiam-se freneticamente. Ela tinha dificuldade em manter-se no mesmo lugar. Sentia como se o próprio Poseidon a empurrasse para mais perto daquela barca cintilante. Precisava desesperadamente sentir o seu calor, e assim, levada pela sua curiosidade imensa, permitiu-se aproximar...

A outra barca assustou-se, pois percebeu que ela mal podia controlar-se. Elas eram barcas muito diferentes. A primeira era uma barca leve, que navegara por muitos mares, sozinha e sem medos. A segunda era uma barca com uma âncora pesada, que lhe trazia equilíbrio, e lhe permitia tranquilamente apreciar o pôr-do-sol. Mas também a impedia de velejar rapidamente. E a velocidade da pequena barca a assustava.

Mesmo assim, as duas barcas não conseguiram afastar-se uma da outra. E depois de acalmarem-se as ondas causadas pelo ímpeto da primeira barca, a paz reinou por um momento, e elas conseguiram alinhar-se, numa perfeita sintonia.

Elas sabiam que não seria fácil velejarem juntas, lado a lado. Uma teria que acalmar-se e domar seus instintos selvagens, enquanto a outra precisaria levantar sua âncora e seus medos... Acreditando que o destino de suas jornadas seria o mesmo, se elas assim o desejassem .

E naquela noite, sob a luz do luar, na linha do horizonte, orientadas pelas constelações estelares, as duas barcas lentamente iniciaram uma nova viagem, por mares ora calmos, ora agitados, por terras conhecidas e estrangeiras, entre brisas suaves e ventanias enfurecidas, sob o forte calor do sol ou a fria tempestade escura... nada importando à elas, pois juntas se complementavam, e completas, sentiam-se fortes e capazes de enfrentar qualquer obstáculo.

À busca de lugar algum, pois elas já haviam encontrado seus destinos.

Siameses


As flores secas e sem vida
No vaso de cristal sobre a mesa
Mostram um tempo que já se foi
E o que fomos eu e você
O perfume que não mais embriaga
A beleza que não mais encanta
No gesto o amor contido
Despetalado e exaurido
Houve um tempo de sementes
Fecundas no ventre da paixão
Antes de florescer nosso amor
Siameses, desenvolvemos laços infinitos
Sem espaço para ser um mais um
Sufocados, ressentidos
Somos, hoje, nenhum.

(ilustração de Paulo Branco)

Essa poesia foi premiada em vários concursos, entre eles FEUC do RJ (Poesia Falada)  e Dar a voz a Poesia de Portugal. Agora será publicado pela Revista Kyrial da PUC-Campina.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Trotes com castigo dão lugar à solidariedade - PEQUENAS ATITUDES, GRANDES EXEMPLOS

SEJA A MUDANÇA QUE VOCÊ QUER VER NO MUNDO (GANDHI)

Natália Fernandjes


Na tentativa de evitar as confusões anunciadas pelos tradicionais trotes aplicados por estudantes veteranos aos calouros no início do ano letivo, as instituições de ensino superior do ABC cedem espaço para ações de solidariedade. Assim, entre as iniciativas predominam doação de sangue e arrecadação de alimentos para distribuição a vítimas de tragédias. Para especialista em Psicologia Educacional, a nova modalidade estimula o papel social que o estudante deverá desempenhar depois de formado.
Na FEI (Fundação Educacional Inaciana), em São Bernardo, a segunda fase da campanha, destinada a integração, teve início nesta quarta-feira (9) também tem cunho social. A ação, que no passado foi de doação de sangue, desta vez é de arrecadação de alimentos para as vítimas das chuvas no Rio de Janeiro.

Doação de sangue


Já na Umesp (Universidade Metodista de São Paulo), entre os dias 17 e 19, os estudantes organizam mutirão para levar colegas até hemocentros para. Os interessados em doar sangue podem se inscrever pelo portal www.metodista.br desde que tenham mais de 18 anos, pesem mais de 50 kg e estejam em boas condições de saúde. É necessário portar documento original com foto. A ação ocorre no campus Rudge Ramos, em São Bernardo.

Prática nasceu na Idade Média

As primeiras universidades européias na Idade Média tinham por hábito isolar os alunos iniciantes em uma sala chamada vestíbulo (daí vestibulandos), onde suas roupas eram retiradas, queimadas, os cabelos tosados - tudo por medidas de higiene, segundo o professor Antônio Álvaro Zuin, na obra O trote na universidade - passagens de um rito de iniciação. Antônio Álvaro Zuin conta que a tradição se estendeu nas universidades européias e chegou ao Brasil por meio dos primeiros alunos que saíam para cursar Direito em Portugal.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Você é preconceituoso?

Há pouco tempo, mais um ataque homofóbico ocorreu na região da Paulista, SP. Em um país onde já sofremos com tantos bandidos, agora temos que nos preocupar com mais uma forma de violência. Todos se horrorizam com tamanha selvageria gratuita. Mas, contraditoriamente, cidadãos honestos e de boa índole passam o preconceito de geração a geração sem perceber.

As piadas com temática repugnante sobre loiras, pessoas feias, homossexuais, mulheres, estrangeiros, negros, religiosos, pobres e deficientes mentais ou físicos, permeiam o dia a dia das pessoas com tamanha naturalidade que o conteúdo fica disfarçado de inocência. O humor é o termômetro da cultura de um povo e é passado de geração a geração. Loiras e negros maravilhosos estão em todos os campos para mostrar que a capacidade intelectual do ser humano não varia com a cor da pele como faz um camaleão esperto. Homossexuais – gays ou lésbicas – honestos e trabalhadores estão em todos os segmentos. Conheço homens brancos, negros, orientais, de incontáveis religiões e naturalidades que são corruptos, desonestos, mentirosos, assim como o oposto. A preferência sexual de uma pessoal não significa promiscuidade. Padres e heterossexuais pedófilos, sim, merecem nossa preocupação.

E nossos irmãos portugueses que são constante alvo de piadas no Brasil: quando teremos alcançado o desenvolvimento desse país europeu? Convivemos com pessoas que não tiveram oportunidade na vida por terem nascido em um país em que o cidadão é órfão de Estado e rimos delas. Sei que o bom humor é a melhor qualidade que uma pessoa pode ter. Otimista, ela encara os problemas sem desespero e encontra soluções facilmente. Rir é um santo remédio. Todo mundo precisa de momentos de lazer e relaxamento, a mente humana não consegue criar se não houver uma válvula de escape.

Mas, observemos as alternativas: natureza, passeios ao ar livre, boa literatura, cinema, teatro, momentos de qualidade com crianças, amigos e familiares. Oralmente ou por emails, piadas de teor desumano não acrescentam nada a ninguém. Se for para rir, que seja de forma saudável, não à custa da inferiorização de outra pessoa. As crianças aprendem com o exemplo. Respeito é o melhor exemplo que se pode dar. Uma criança que escuta dos adultos uma piada sobre a falta de inteligência de uma pessoa loira, negra ou de Portugal, chegará à escola e tratará o colega com essas características de forma desrespeitosa, dando origem ao bullying e suas graves consequências. Vale a pena nos preocuparmos com o que falamos e fazemos perto dos pequenos. Talvez estejamos semeando preconceitos sem perceber, dentro da nossa própria casa, para nossos filhos, sobrinhos e netos.

Em várias culturas não se contam piadas preconceituosas. Nas que o fazem, há piadas sobre o Brasil também. Desagradável, não é? A imagem dos brasileiros no exterior não é a do povo mais inteligente e trabalhador do mundo. Quem mora no aqui sabe que temos pessoas que trabalham do amanhecer ao anoitecer, contribuem para o desenvolvimento do mundo, pessoas brilhantes e dedicadas. O mais triste são os brasileiros que fazem piadas sobre compatriotas de outras regiões. Como se a inteligência fosse doença que só se pega em certos estados. Conheço brasileiros maravilhosos em todas as regiões do nosso país. Assim como há brasileiros, norte-americanos, africanos, europeus, etc., preguiçosos e desonestos, trabalhadores e honestos, em todos os cantos também. Sei que estou sendo repetitiva.

O certo é que toda afirmação generalizada é preconceituosa e irresponsável. Cada ser humano é único e fruto de suas escolhas e vivências. Resultado da sua capacidade de driblar a influência do meio. Portugal é um desses países em que o respeito ao próximo impera, onde rir do outro não faz parte do dia a dia porque estão muito ocupados trabalhando e construindo um país melhor. Não há violência nem bandidos pelas ruas. E nós achamos que eles não são espertos.

Comentários:
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 Anônimo disse...
Concordo, Simone!

Muitos querem falar demais e fazem de menos. Antes de contar piadas que denigrem a imagem alheia, que tal olhar um pouco para o próprio umbigo?

É uma lástima que hajam tantas pessoas assim, preocupadas com criticar mas pouco interessadas em ajudar a construir algo melhor.

Bjaaaum!
Mandinha

sábado, fevereiro 12, 2011 3:04:00 PM
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 Anônimo disse...
MUITO BOM ADOREI!!!!!!!!!!!!!!!
SENSACIONAL!!!!!
BJS.
FATIMA

sábado, fevereiro 12, 2011 4:23:00 PM
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 Anônimo disse...
Obrigada, querida!
Postei" Os balões coloridos" no blog paulista e "Você é preconceituoso?"no meu blog particular. Veja se vc gosta.
Bjk,
Regina
AEILIJ

sábado, fevereiro 12, 2011 6:29:00 PM
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 Anônimo disse...
De acordo, querida. Detesto essa mania de alguns se acharem no direito de criticar A ou B, pq têm uma conduta diferente da sua, ou religião, defeitos, pátria, profissão, enfim, cada um sabe de si e o que lhe convém. E apenas quando extrapolam, ou as suas atitudes chocam a sociedade a família, ou a opinião pública de maneira acintosa, aí sim poderão ser passíveis de repúdio.No mais, têm o direito de fazer o que lhes aprouver,sem escandalizar ou ferir os direitos dos demais. Cada um dará contas do seus atos ante o Juiz Supremo, num dia certo.
Bjs Carol

sábado, fevereiro 12, 2011 7:48:00 PM
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 Anônimo disse...
Todo mundo tem medo de falar abertamente sobre esse tema.
Muitos contam piadas racistas e não admitem que é errado.Parabéns pela coragem!
Beijo,
Mauro

sábado, fevereiro 12, 2011 10:15:00 PM
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 Anônimo disse...
Não, eu não sou preconceituoso, felizmente!

Cara Simone:

Aplaudo seu artigo e sua iniciativa,em que tudo o que disseste é corretíssimo.
Apesar de branco e de cabelos morenos, na minha juventude já senti muito preconceito na pele advinda dos colegas de escola, por ter estatura baixa, usar óculos e ser magro, e também porque eles encanavam que eu era, ou ao menos tinha cara de, intelectual.
Na verdade eu era muito anti social e solitário, e eles não sabia,na verdade ninguém sabia, nem eu mesmo tinha sido diagnosticado ainda,que eu era assim, e lia tanto e tinha tanto conhecimento a mais que as pessoas que me rodeavam, sobre assuntos muito específicos,por que eu era, e sou, portador da Síndrome de Asperger, um tipo de autismo.Claro, as pessoas conversando comigo nem percebem, e mesmo psicólogos custam a acreditar nisto, por que eu mesmo superei 'a duras penas, sozinho, a maior parte das limitações sociais desta síndrome.Ainda assim, sou tratado muitas vezes com condescendência pelas pessoas e pela própria família, como se eu não pudesse sofrer nem o trauma psicológico mais simples que eu fosse desmoronar, e na verdade estou longe de ser delicado assim.Sem sou um incapaz de um monte de coisas como a minha família pensa de mim.E u vejo nisto também uma forma de preconceito.
E como sou casado com uma mulher negra e mais alta que eu, muitas vezes as pessoas olham torto para mim, ou ficam cochichando pelas nossas costas, como se fôssemos atração de zoológico.
O preconceito é uma forma também de intolerância social.As pessoas tem tendência ' a odiar tudo que não seja igualzinho 'a elas.
Você já leu o livro "O Pássaro pintado" de Jerzy Kosinsky?
Nele um menino pinta um pássaro que retirou de um bando e o solta no bando outra vez.Os outros pássaros não reconhecem o companheiro e o estraçalham furiosamente.
A sociedade humana também é assim:ser diferente é pecado,na sociedade de consumo de massa industrializada todos tem de ser iguaizinhos, dentro do chamado "normal", que é como o Grande Irmão georgeorwelliando definiu como "normal", tudo o que difira é sumáriamente destruído, e as piadas são o primeiro passo na totalitarização da sociedade, até alcançar o nível hitlerista.
Parabéns e continue assim, apóio suas idéias !

Cristiano Camargo

sábado, fevereiro 12, 2011 10:18:00 PM
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 Anônimo disse...
Estava sentindo falta dos seus textos cortantes! Parabéns!
Abraços,
Alexandre Vieira

domingo, fevereiro 13, 2011 10:57:00 AM
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 Anônimo disse...
Grande Simoninha! Vou repassar.
Cezar

domingo, fevereiro 13, 2011 2:30:00 PM
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 Anônimo disse...
Olá Simone

Gostei muito do seu texto. O 'humor negro', eu sempre acreditei, é uma forma de expressar o preconceito. Parabéns.
Elsa

domingo, fevereiro 13, 2011 5:48:00 PM
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 Sérgio Bernardo disse...
Você tocou num ponto importante: a "vocação" do brasileiro para fazer piada de tudo, como se tivesse obrigação de ser bem-humorado todo o tempo (vide a maioria dos nossos comerciais de tevê, como exemplo). E somos muito preconceituosos, sim, infelizmente. Só tenho a discordar de você num ponto: em 2009, passei 3 meses em Portugal e na Espanha. Em Portugal fui vítima de preconceito várias vezes, por ser brasileiro, o que não aconteceu na Espanha. Abraços.

domingo, fevereiro 13, 2011 10:02:00 PM
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 Anônimo disse...
Perfeito,como sempre,Si!
Lisete

segunda-feira, fevereiro 14, 2011 11:05:00 PM
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 Anônimo disse...
Parabéns, Simone Pedersen!

Vai incomodar muita gente, isso vai!

Emerson

terça-feira, fevereiro 15, 2011 12:38:00 PM