sexta-feira, 22 de abril de 2011

Balões coloridos


Um jovem casal teve seu primeiro filho, muito doente, com reduzidas chances de sobreviver. Sabendo de seus dias contados, os dois, de licença do trabalho, dividiram as vinte e quatro horas do dia de forma que ambos ficassem com o bebê e eles - apenas eles -, cuidassem do frágil recém-nascido. Com muita dificuldade para mamar, o anjinho precisava ser alimentado a cada hora do dia e da noite, com apenas alguns poucos mililitros do leite materno que a mãe produzia e cuidadosamente retirava e armazenava, num processo doloroso e demorado, pois o pequenino não tinha forças nem para mamar suas gotas de amor...

Em nenhum momento os pais reclamaram de cansaço. Em nenhum momento brigaram sobre quem teria que trocar a próxima fralda ou dar a próxima mamadeira. Nem discutiram quem se levantaria no meio da noite. Fez-me sentir uma péssima mãe... Fez-me lembrar de todos os momentos em que me sinto irritada com os tantos afazeres que a maternidade nos transfere, os familiares exigem e os amigos esperam.

A história do jovem casal mostrou-me que tudo na vida é passageiro e rapidamente desaparece, em largos passos, se nós não atentarmos a cada segundo e vivê-los intensamente. E que, no final da vida, não adiantará mais ter aprendido essa importante lição, pois o tempo passado é tempo vivido, ou tempo perdido. Não existe meio-termo. Não se vive mais ou menos. Não se arrepende mais ou menos. Ou estamos presentes, inteiros, naquele momento, ou nunca mais poderemos alcançá-lo. E as mães sabem disso melhor que ninguém. Acompanham cada minuto da vida de seus rebentos, choram com eles suas dores, riem com eles suas traquinagens. E cuidam, com todo amor e carinho, nos momentos de doença.

No dia do velório do pequenino menino, os pais não estavam desolados. Estavam tristes, mas tranquilos. Estavam conscientes de que haviam feito o melhor que lhes era possível. Haviam amado cada segundo, cada suspiro, cada lágrima e cada sorriso daquele frágil ser. E soltaram 99 balões coloridos, um para cada dia de vida do pequeno anjo, com quem tiveram o privilégio de conviver naqueles meses. Todos os presentes olharam para o céu, refletindo quanto um momento singelo pode representar se nós o agarrarmos com unhas e dentes.

E - como o passado -, os balões ficaram inacessíveis, desaparecendo no céu azul, num piscar de olhos. Lindos, se forame nunca mais foram vistos. Restou apenas a imagem de um inigualável entardecer, colorido como só a vida pode ser, e balões que representavam cada dia vivido no amor.

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Comentários:

Ricardo Chagas disse...
Belo Blog, Li duas crônicas suas e apreciei muito, especialmente esta.
Se tiver um tempinho tbm dê uma olhadinha no meu blog...
até...

sexta-feira, abril 22, 2011 9:25:00 PM

Paixão fulminante


A Telefonica e eu temos uma velha história de amor. Fomos apresentados há cinco anos, quando retornei ao Brasil. Antes dela, eu era casado com uma companhia americana totalmente eficiente, mantínhamos uma conexão de banda larga de altíssima velocidade e nunca houve nenhuma discussão entre nós.

No caso da nossa querida Telefonica, foi amor à primeira vista. Abracei o plano business do Speedy que me dava segurança de total fidelidade e companheirismo. Não demorou muito para eu perceber que fora enganado. A provedora de internet é bipolar: em um momento funciona, é dócil e fiel, de repente fica nervoso, briga comigo e para de funcionar, desaparecendo sem aviso e deixando meu telefone mudo por dias.

Como é muito vaidosa, ele nunca me procura de volta. Eu tenho que ter a humildade de ligar e pedir para reatarmos. Em represália, ela não atende minhas ligações, deixa-me incontáveis minutos aguardando e depois desliga na minha cara. Passado algum tempo, ela se acalma e marca um encontro em no máximo 48 horas. Muitas vezes demora uma semana para aparecer.

No Carnaval, por exemplo, fiquei sem telefone e internet por três dias.  Disse que fora hospitalizado por causa de uma chuva forte que caiu na estrada. Que bateram em um poste com fios danificados que ficou caído sem socorro. Que suas madeixas se enrolaram aos fios elétricos.  Sei que é mentira, rumores dizem que no carnaval muitos funcionários estavam aproveitando o trio elétrico em Salvador, fantasiados de Batman, com capacete e cinto mil utilidades. 

Depois o telefone voltou descaradamente, ficou na minha casa por dois dias e sumiu novamente sem deixar vestígios. Faz quatro dias que não tenho notícias. Deixei recado, mandei mensagem pelo site, recado pela Anatel e pelo amigo Procon. Quanto mais eu a procuro, mais ela tarda a voltar para mim. Isso não é mais amor, virou uma doentia necessidade minha. Uma obsessão.

No começo, os amigos me avisaram que essa relação seria tumultuada. Impressionados com minha paixão inicial, contaram casos e mais casos. Mas eu não queria enxergar. Dizia que agora seria diferente, ela estava mais madura e havia aprendido com seus erros. E assim eu a presenteava todos os meses com flores verdes chamadas Cifrão, suas favoritas.

Hoje já me conformei com ela não ser nada do que aparenta ser. Ela faz propaganda dizendo que é confiável. Pois sim! Não passa de uma mercenária. Investe em relações que lhe dêem lucro e esquece rapidamente dos relacionamentos com pessoas comuns como eu. Ambiciosa, só quer se encontrar com pessoas importantes e empresários que movimentam grandes quantias de capital.

Assim sendo, tomei uma decisão. Preciso de um novo amor. Não aguento mais ser corno. Procurei uma telefonia móvel que oferece um pacote com 3G, telefone fixo e celular. Eu sempre quis ter uma família grande. O custo é alto, mas pelo menos não vou mais sofrer. Sou homem de uma companheira só e me dói muito ter que trocá-la.

A bem da verdade, eu não a deixei. Ela fez de tudo para que eu a deixasse. É inegável que não tenho valor para ela. Se todos que ela maltrata e faz sofrer tivessem essa atitude, ela aprenderia com a solidão – e falta de flores – que atualmente só perduram as relações éticas, baseadas no respeito e cumplicidade. É a lei da selva. A lei da concorrência. Vencem os melhores, os mais fortes e os mais rápidos. Ela vive no passado, vendo no espelho um rosto que não mais existe, recordando uma fase em que ela tinha poder de sedução inquestionável.

Os tempos mudaram.  O mundo se globalizou. E ela se estagnou. Agora, ou ela se moderniza, ou acabará sozinha. Eu já fiz minha escolha. Não vale a pena insistir em um relacionamento falido como esse. Adeus, minha querida. Que os bons ventos a levem para bem longe de mim.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Falecimento (S)


FIM DA VIDA

I
Tem dias que acordo, assim, com medo da vida. Fecho as cortinas, tiro os sapatos, me visto de silêncio e me alimento de lágrimas.

Desligo o telefone, dispenso a empregada e coloco meu gato para fora. Tento afastar o mundo com as mãos enquanto me cubro com as cobertas.

Dizem que é coisa de poeta. Outros, que é coisa de louco. Como se dor fosse privilégio de alguns. Mas o que vejo quando permito que o mundo entre em minha casa, pela tela falante, causa muito mais dor do que eu já sinto. O mundo está rachando em tsunamis e terremotos. Furacões furiosos devastam o que destruímos antes superficialmente. Vejo crianças com fome, outras trabalhando enquanto sonham que estão brincando de escravos. Escuto mentiras vestidas de promessas. Assisto a comerciais que oferecem sonhos. Vejo, assustado, dragões se alimentando da esperança de inocentes.

Percebo que sou uma sombra projetada na parede, distorcida e fraca. Fecho os olhos e busco desesperadamente, no cinema de minhas memórias, lembranças que sirvam de elixir da vida. Penso no meu jardim, com sua jabuticabeira que enfeita os cabelos com brancas flores, como noiva ao caminho do altar, fecunda e acreditando em seus frutos. Sinto o pelo macio de um cachorro feliz, que abana o rabo somente porque eu cheguei. Escuto a gargalhada de um bebê encantado com uma bexiga que lhe escapa das mãos e vai cambaleando como um bêbado pelo teto da sala. Lembro-me dos aniversários festejados com beijos e abraços.

Onde estarão meus filhos? Onde estarão os amigos? Onde estará a vida? Se eles soubessem que os velhos precisam de tão pouco... Uma visita de cinco minutos é o melhor analgésico. Notícias dos netos que fizeram um passeio nos levam a viagens indescritíveis. Tão pouco para nós. Sei que muito para eles. O mundo dos jovens é outro. Cheio de aventuras. Conquistadores, desbravam o mundo.  Mas ainda não são altruístas o suficiente para dividir com os idosos. Com o tempo, perceberão que tudo passa. Não há tristeza eterna. Nem felicidade.

Olho no calendário e controlo as datas marcadas em vermelho. Nos aniversários eu posso ligar, que os encontro em suas casas. E aguardo ansiosamente o dia dos pais, do meu aniversário e do natal. É tudo que resta do ano para mim. Três dias em que eles aparecem. Três dias em que eu abro minhas cortinas, me visto de terno e gravata, e sento-me na varanda para aguardá-los.

II
Talvez sejam agraciados os que lá chegam. Há poucas semanas, perdemos um amigo de cinquenta e quatro anos que teve um ataque cardíaco após jogar futebol por meia hora. Deixou esposa e duas filhas adultas, além de uma netinha. Semana passada, perdemos uma amiga de apenas trinta e cinco anos. Ela deixou o marido e o filho de quatro anos cuidando da bebezinha recém-nascida de quinze dias. Teve um AVC seis dias após o parto, foi internada em coma e não mais acordou. Morreu feliz por ter tido a menina e completado a família que não pode acompanhar. As fotos da gravidez, ultrassom, escolha do nome, cada momento foi compartilhado com amigos pelo Facebook, inclusive a notícia de sua morte. Quando a morte chega tão perto de nós, refletimos sobre a vida. Cada dia é um mistério. O simples fato de viver é um mistério. Seria prudente se celebrássemos a vida e dedicássemos mais tempo às pessoas que amamos e menos tempo ao mundo das coisas.

Todos que se foram até hoje, foram de mãos vazias. Só nos resta preencher o coração. Agende, se preciso for, uma visita aos familiares e amigos. São os únicos que nos amam independente do que temos ou somos. E, quando partem, não temos como voltar nem um dia para dizer o quanto os amamos, fazer uma visita ou um carinho.


TROVA DE ALONSO ROCHA,
que se foi também há poucas semanas, conhecido como “Príncipe dos Poetas do Pará”:

Sem resposta que conforte,
dúvida imensa me corta:
Qual o segredo da morte?
Fim?Partida?Porto?Porta? 


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Comentários:

Anônimo disse...
Querida, Simone,
Seu texto me tocou profundamente...
Um beijo em seu coração,
N.

quarta-feira, abril 06, 2011 1:10:00 AM
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 Anônimo disse...
Belíssimo texto, Simoninha. Um pouco depressivo, mas muito belo
Para mim, "Poesia alegre" é sempre duvidosa.
Todos os grandes Poetas são tristes
Parabéns

quarta-feira, abril 06, 2011 1:11:00 AM
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 Anônimo disse...
Querida Simone,

Obrigada por partilhar comigo, pequena partícula de bruma, seu maravilhoso oceano de palavras e emoçôes.
Sim a vida é assim, talvez porque os deuses, sedentos da sua glória, apenas derramaram sua luz sobre os poetas, não somente de palavras mas também de sentimentos. Com eles o mundo seria certamente muito melhor!
Se me der permissão vou enviar seu texto ( devidamente identificado ) para a minha Escola e vou levá-lo também para uma associação que ajuda pessoas carenciadas.
Com a infinita ternura da amiga,

Ilda

quarta-feira, abril 06, 2011 8:52:00 AM
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 Anônimo disse...
Muito bom….
Abraços
Rona

quarta-feira, abril 06, 2011 9:00:00 AM
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 Anônimo disse...
Que benção voltar a receber seus emails, Simone... que falta me fez neste período em que fiquei sem conseguir acessá-los daqui, nem de casa...

quarta-feira, abril 06, 2011 9:16:00 AM
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 Giovani Iemini disse...
este belo texto estará no blog do bar do escritor em 30/07/2011.
www.bardoescritor.net

quarta-feira, abril 06, 2011 9:55:00 AM
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 Anônimo disse...
Oi Si, bom dia!!!!!
Que coisa linda essa reflexão....estou aqui no plantão e não deu pra segurar as lágrimas!!!
É a mais pura verdade....o tempo vai e qdo percebemos, não dissemos as pessoas proximas, parentes, amigos o qto os amamos!!
Estamos vivos e ainda há tempo pra não perdemos tempo, não é?
bj
MA

quarta-feira, abril 06, 2011 10:44:00 AM
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 Anônimo disse...
Simone querida, perdi meu pai há oito meses...a dor é tão profunda que nem consigo falar sobre ela. Todos os dias eu tenho lágrimas que não controlo, uma sensação de vazio na alma que não se preenche e essa saudade cruel, saudade do que foi e de tudo o que poderia ter ainda, se meu melhor amigo estivesse comigo. Tentei expressar meu amor por ele enquanto estava vivo, estive ao seu lado até seu último suspiro, mas mesmo assim ficou essa incompletude absurda que a morte nos deixa. Perplexa, vou vivendo e convivendo com essa dor, sem conseguir expressá-la, como esse texto faz. Obrigada!

quarta-feira, abril 06, 2011 10:44:00 AM
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 Anônimo disse...
Obrigado pela lição.
Bjs
Ico

quarta-feira, abril 06, 2011 10:50:00 AM
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 Anônimo disse...
Olá Simone, gostei de seu texto; você escreve muito bem. Não vejo a hora de conhecê-la pessoalmente.

quarta-feira, abril 06, 2011 11:33:00 AM
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 Anônimo disse...
Cara Simone,
Saudações!
Tocou-me profundamente a sua crônica.
Você escreve muito bem e o seu estilo tem tudo a ver com o meu, romântico, lírico ao extremo, pungente, triste..............
Minha mãe costuma dizer que as minhas poesias são muito tristes, mas é porque sou poeta.
Escreva-me sempre, gostei de receber seus textos.

Carinhosamente,
Darly

quarta-feira, abril 06, 2011 11:34:00 AM
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 Anônimo disse...
Olá simone, amei o que escreveste. Não tenho tempo pra ler tudo que me enviam, mas tive a sorte de abrir meus olhos para te ler.
Grata
Gerci

quarta-feira, abril 06, 2011 4:10:00 PM
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 Anônimo disse...
Textos lindos donde escorrem poesias ,como a maioria dos seus textos...Tão doloridos,tão cotidianos,tão reais...Parabéns pelos textos,Coragem pelas perdas...Que Deus possa consolar essa família e seus amigos,beijos,Lis.

quarta-feira, abril 06, 2011 4:11:00 PM
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 Anônimo disse...
Simone:

Obrigada pela crônica, realmente muito bem escrita, com belas comparações e imagens. A abordagem dada ao tema, partindo de uma pessoa jovem como você, revela sua grade sensibilidade.
Abraços,
Wanda.

quarta-feira, abril 06, 2011 4:11:00 PM
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 Anônimo disse...
Simone,
Um belo texto. Valeu pela citação ao nosso Alonso Rocha também.
Felicidades,
Abilio

quarta-feira, abril 06, 2011 4:12:00 PM
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 Anônimo disse...
Que crônica maravilhosa, Simone! Linda, triste e verdadeira...beijo...Henriette

quarta-feira, abril 06, 2011 4:12:00 PM
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 Anônimo disse...
Querida Simone. Sua crônica é absurdamente a mesma que percorre diariamente o curso de nossas artérias e veias, sem coragem de escorrer para fora. Sem tirar nem por, eu a assinaria. Ou melhor, eu não poria "o gato para fora", porque apesar de gostar demais dos bichanos, não tenho agora nenhum!
Ela é fruto daqueles momentos secos,que se sucedem ao pranto derramado e que dolorosamente encharca o nosso travesseiro. Não não é só coisa de poeta ou louco, não (dos quais como se diz, todos temos um
pouco) é por conta da nossa sensibilidade, que a cada intante é ferida pela insensibilidade do mundo que habitamos.
Obrigada por dizer o que eu não disse. Bjs Carolina

quarta-feira, abril 06, 2011 4:13:00 PM
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 Anônimo disse...
Olá simone, amei o que escreveste. Não tenho tempo pra ler tudo que me enviam, mas tive a sorte de abrir meus olhos para te ler.
Grata
Gerci

quarta-feira, abril 06, 2011 4:14:00 PM
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 Anônimo disse...
Na minha opinião, vc é "A" CRONISTA. Parabéns!

Abraços.

quarta-feira, abril 06, 2011 4:15:00 PM
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 Anônimo disse...
Que lindo! Posso publicar no meu blog?
Bj,
Regina

quarta-feira, abril 06, 2011 10:04:00 PM
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 Anônimo disse...
Assim é a vida. Assim é a continuação da vida.
Lindo tudo o que você escreveu.
Luz aos que partem e aos que ficam.
Beijo grande.

quarta-feira, abril 06, 2011 10:04:00 PM