terça-feira, 3 de maio de 2011

A ampulheta


Poucas situações me estressam. Conversas laterais não me interessam. Críticas negativas me levam a reflexão. Críticas positivas me deixam em atenção. Todo cuidado é pouco nesta vida moderna em que o relacionamento social ficou ainda mais poluído pelas redes virtuais, troca de e-mails, celulares e imprensa. Nunca houve tanta informação pessoal, coletiva e técnica. Cada um desenvolve seu filtro. Se o Facebook estourou com a falta de anonimato, li outro dia que a novidade é uma rede social onde o anonimato será mantido. Muitas pessoas se privam de dar opiniões quando precisam se identificar. Por outro lado, o comentador invisível e democrático terá a responsabilidade de ser equilibrado e fundamentar-se em fatos verídicos? Respeitará o termo de compromisso que assinará para participar?

A grande vantagem, a meu ver, é que o anonimato oferece um filtro contra o marketing indesejado. Nada me incomoda mais que atender telefonema ou abrir e-mail oferecendo cartão de crédito, conta em banco, ajuda a entidades assistenciais, etc. Sinto-me invadida: entram em minha casa sem me pedir licença! Costumo levar na brincadeira, mas não gosto desse tipo de oferta. Telemarketing é simplesmente uma forma de roubar nosso tempo e atenção. Todo esse burburinho tem um efeito direto na qualidade de nossa vida.

O caos alimenta-se do nosso tempo. Acredito que o maior bem que possuímos na vida é o tempo. Sem ele, nada pode ser feito – ou refeito. Eu fico estressada quando penso em tudo que tenho por fazer e o tempo de que disponho. Desde a programação diária até os planos de vida. Durante o dia me ocupo dos contatos com as editoras, clientes, reuniões, concursos, periódicos, telefonemas, pagamento de contas, alimentação e banho. Sobra a noite para escrever. Muitas vezes, a madrugada. O que me levou a constatar que se escrevo de madrugada, meu dia estará comprometido. Acordo um pouco mais tarde, não tantas horas quanto fiquei acordada, o que deveria me deixar no lucro. Isso não acontece. A qualidade do meu desempenho cai drasticamente nos dias seguintes às noites em que dormi pouco. Fico lenta, penso menos. A única vantagem, e todo escritor concordará comigo, é que o silêncio da madrugada é inspirador.

Cheguei à conclusão de que a rotina oriental é a melhor arma contra a perda de tempo. Dormir e acordar cedo. Seguir uma sequência de atividades. Dividir o tempo em blocos por assunto. Dizer “não” ajuda muito também. Recusar convites e ofertas que consomem o tempo e não trazem nenhum benefício. Assim como selecionar os interessantes e não perdê-los. Vejo como um problema matemático. O tempo não é elástico, se você usar mais a noite, ele reduzirá durante o dia. Para priorizar, precisamos primeiro ter disponibilidade dele. E quando temos mais prioridades que possamos resolver em um dia ou em uma semana? Trabalhar contra o tempo é muito estressante. Gerenciar os grandes projetos requer maestria. Não podemos priorizar sem ferir sentimentos dos que não foram considerados importantes. É necessário muito jogo de cintura.  A prioridade é que nos livremos de tudo que rouba nosso tempo. O ladrão é esperto: ele não leva a carteira, leva uma nota de cada vez. Se não formos atentos, não percebemos até que a carteira esteja vazia. 

Eu entendo algumas pessoas que mudam para uma chácara e se isolam do mundo.  Infelizmente, a maioria de nós não pode se dar a esse luxo e precisa conviver com outras pessoas na sociedade atual que nos expõe e cobra demais. Relacionamentos são difíceis, conflitos inevitáveis e o choque de interesses fazem parte de qualquer relação, seja afetiva ou comercial. Quando me desespero com o tique-taque incessante e as interferências externas, respiro fundo e pego papel e caneta. Não para escrever literatura, mas para listar o que preciso fazer. O meu maior objetivo atual é reservar os sábados e domingos para a família e descanso. Costumo trabalhar nos finais de semana e acredito ser um grande erro. Como uma noite sem dormir rouba a nossa vida no dia seguinte, o final-de-semana sem descanso rouba a nossa produtividade na semana seguinte.

A ampulheta não para, isso é fato. Só resta a nós, mortais, usarmos da melhor forma possível cada grão de areia que desce, com foco, com profundidade, com presença de espírito. Para isso, não adianta pensar na vida como um todo, temos que vencer vinte e quatro horas por vez. Focar no que será feito a cada hora.
É preciso viver cada minuto, sem desperdício. 

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