quinta-feira, 5 de maio de 2011

A entrevista


Fiquei sem empregada doméstica. Eu não uso o termo auxiliar ou secretária, como manda a “nova moral”. Com todo respeito, alguém que trabalha em domicílio é empregado doméstico. Assim como eu não sou moça, sou uma senhora. Mudar a palavra não é evolução, e sim tratar com respeito e remuneração adequada. Desde que não seja um nome pejorativo, é claro. Enfim, repentinamente sua mãe adoeceu, e ela precisou ser liberada no dia seguinte. Quando pedi que viesse em uma semana para buscar a carteira profissional com a devida baixa, ela ficou desesperada. E se precisasse do documento na segunda-feira? Como visita em hospital não exige mostrar a carteira, imaginei que talvez estivesse saindo porque arrumou outro emprego e não quis comentar. Ganhei despedida com direito a abraços e lágrimas. E vi saindo pela porta uma pessoa que conviveu comigo durante dois anos, seis dias por semana, para talvez nunca mais vê-la, como outras no passado. A vida é assim. Algumas pessoas passam, deixam marcas, nos transformam e depois seguem sua viagem. Depois de um tempo, fica uma sensação morna como anestesia, não é inexistente, mas também não dói mais.

Comecei a maratona de procurar uma substituta. Deixava meu filho na escola, contatei agências e seguia para as paradas de ônibus dentro do condomínio e perguntava para as mulheres se conheciam alguém que estivesse procurando emprego. Eu era entrevistada por elas ali mesmo, na rua. Perguntavam se a casa era grande, se eu tinha filhos, animais, se precisavam passar roupa – a maioria não gosta de passar roupas, eu descobri. Cozinhar, então... Nem mesmo esquentar água, a maioria. Era questionada se tinha faxineira, cozinheira, motorista em casa. Nenhuma perguntou se eu tenho helicóptero ou heliporto, mas desconfio que em breve seja incluído no questionário; assim como se a casa tem elevador e sistema de refrigeração. Uma mais atrevida me perguntou a marca dos produtos de limpeza que uso, e se a geladeira e o telefone são liberados. Todos os olhares focaram na minha resposta. Eu concordei, percebendo que o que antes era considerado uma qualidade minha hoje virou condição “sine qua non”.

Na Itália passei por algo parecido. Quando procurava casa para alugar e dizia que tinha um filho de cinco anos na época, as imobiliárias me informavam que seria difícil encontrar imóvel. Isso porque alugam com o mobiliário e acham que as crianças o destroem. Depois de mais de três meses, encontrei um imóvel vazio e consegui trazer meu container. Aqui, quando digo que tenho dois filhos, percebo no olhar das minhas entrevistadoras que passei do limite. Tenho a impressão que escuto o pensamento de algumas: “Você não acha que um estava de bom tamanho?”. Talvez seja influência chinesa, que entrou com a indústria têxtil e agora conquista a cultura e moral brasileira. Mas não ouso perguntar quantos filhos elas têm. Uma comentou: “Dois filhos, dois cachorros, gatos, é ruim, hein...Vai achar ninguém não”.

E não consegui ninguém ainda, como previu a vidente. Já se passaram quatro anos. Atualmente estou fazendo um curso de pós-graduação em universidade federal para melhorar minhas chances. Chama-se “A Patroa do novo milênio: obrigações”. Dizem que no passado o curso tinha um módulo de direitos também...
O tempo passou. A sociedade evoluiu. Jamais pensei em qualquer pessoa trabalhando na minha casa e sendo tratada sem respeito. A mulher conquistou seu espaço e aprendeu a valorizar as atividades do lar, que não são fáceis. Toda mulher sabe que faz, faz e faz e quando vê tudo está por fazer novamente. Mas quem dá conta de uma casa trabalhando das nove da manhã às duas da tarde, como elas querem? Quem de nós trabalha só cinco horas por dia?


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Comentários:

Anônimo disse...
Muito boa, Simone. E, apesar de ter aqui comigo uma que está há dez anos e é de confiança (e isso é o atributo básico, já que tenho dois filhos e dois cachorros...rs), a comida é de matar e a limpeza da casa deixa muito a desejar... Mas, a cada vez que penso em trocar de profissional, me deparo com essa situação: converso com amigas, e a impressão que tenho é a de que nós é que temos de nos adequar a essa nova situação. Hoje um taxista que se recusou a me trazer, dizendo:"Ah, não, pra lá está tudo engarrafado. Vou, não". E eu: "Ah, moço, me desculpe. Deixe o cartãozinho da sua cooperativa, que qdo eu estiver indo pro lado que o senhor quer, eu ligo"...
É mole?

domingo, maio 08, 2011 5:44:00 PM
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 Anônimo disse...
Totalmente pertinente o seu desabafo!!!
quando não acontece o pior...ser colocada na justiça utilizando completa má fé!! levamos um susto, pois o inimigo estava infiltrado em nosso refúgio e intimidade!

bjo

domingo, maio 08, 2011 5:44:00 PM
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 Anônimo disse...
É... Simone conheço de perto essa "charla" tão bem desenvolvida por você! Não tenho "secretária" nem "doméstica" em casa, a não ser a faxineira, que vem uma vez por semana. E vou me virando da melhor maneira possível! Para nós, que gostamos de escrever, às vezes, o silêncio compensa a falta da ajudante. E melhor que isso, só mesmo amordaçando o telefone, para que o lar se transforme em céu! Gostei a sua crônica. Bjs. Carolina

domingo, maio 08, 2011 5:44:00 PM
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 Anônimo disse...
Simone..amei esta...você escreve como se soubesse o que a gente sente...maravilhosa!!!

domingo, maio 08, 2011 5:45:00 PM
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 Anônimo disse...
Não desanime, minha amiga. Não está longe o dia em que vocês terão de usar burkha. Pelo menos, as patroas.

Abraços
Carlos

domingo, maio 08, 2011 5:45:00 PM
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 Anônimo disse...
Bom dia Si

Eu sempre escrevo as mesmas coisas, mas só me resta lhe elogiar, cada linha nova é melhor do que a outra!!!!!! Você me traz muita coisa boa e suas verdades são incontestáveis!!!!

Passei por situações assim e realmente é revoltante!!!

Só o nosso encontro que está difícil hein!!!! Qualquer dia te ligo e vamos te fazer uma visita, talvez seja mais fácil!!!!

domingo, maio 08, 2011 5:45:00 PM
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 Anônimo disse...
Pois é Simone! É assim mesmo, principalmente aqui em Vinhedo. Tem gente que vai buscar empregada em outras cidades e até em outros estados. Boa sorte na busca. Se eu souber de alguém te indico. Beijos, Elsa

domingo, maio 08, 2011 5:46:00 PM
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 Anônimo disse...
Simone,

Você é excelente cronista. Fato 1
Dificuldade em encontrar não só empregados domésticos qualificados como outras profissões igualmente qualificadas... fato 2.
Que eu de-tes-to fazer, fazer e fazer tudo...repetidas vezes... ao longo de um só dia????
Fato estressante 3

rsrsrsrs

domingo, maio 08, 2011 5:46:00 PM
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 Anônimo disse...
Olha que texto de reflexão. Passamos pelos mesmos problemas aqui em casa. Já é uma classe que tem até sindicato. Vai chegar um momento que teremos que trabalhar para elas, dentro da nossa própria casa..
Toninho

domingo, maio 08, 2011 5:47:00 PM
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 Anônimo disse...
Olá, Simone

Em casa sempre tivemos empregada doméstica. Mais por causa da saúde um pouco precária da minha mãe que da nossa condição financeira. Quando visito a minha mãe, nem sei quem vou encontrar lá. Geralmente é uma mesma moça cheia de idas e vindas. Ela já se demitiu, foi demitida nem sei quantas vezes. Some, falta sem avisar, já aconteceu de chegar no dia seguinte e ter outra no lugar dela. Já teve filhos (no plural mesmo), tirou licença, recebeu salário maternidade (chegamos a pensar que ela achava vantajoso, ter filho só pra isso). Quando a empregada é outra, eu nem acho bom porque sei que não vai dar certo. Uns meses atrás, com uma dessas "substitutas", começou a sumir umas coisas. Minha mãe conseguiu flagrar a moça, mas demitiu-a sem mencionar o motivo (que ambas sabiam). Uma vez apareceu uma moça careca, com sotaque, cheia de "atitude", e "é claro" que não foi contratada. Quem vai falar em preconceito nessa situação? Também não tinha referências. Mas eu costumo dizer à minha mãe que empregada doméstica não devia existir. Você servir a uma família, dentro da casa dela, no espaço que é daquela família, mas não é seu... Só aceita ser doméstica quem não tem outra alternativa. Se bem que nas relações trabalhistas é sempre assim, em qualquer profissão. É a lei da oferta e da procura. E se é verdade que hoje em dia as domésticas estão chegando ao trabalho de carro novo, a situação tende a ficar mais difícil. E, na verdade, não se pode culpar ninguem. A última vez que eu precisei de um eletricista, quase tive que implorar. Eles só aceitam trabalhos grandes, nada de consertos, mas eu não sei consertar instalações elétricas. Precisei trocar um portão que o meu cachorro destruiu com xixi, e só consegui um pedreiro apelando para a boa vontade de um conhecido no seu sábado de folga. Agora preciso pintar umas janelas e já estou me inteirando do ofício de pintor. Vou fazer eu mesmo. E eles estão errados? Não sei. A construção civil sempre foi dos piores setores para se trabalhar, mas agora eles estão por cima. E isso é muito bom. Só que eu estou aqui xingando o pintor que vinha anteontem pintar as minhas janelas e não veio.

Abração,

domingo, maio 08, 2011 5:47:00 PM
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 Anônimo disse...
Adorei,Simone! beijo...

domingo, maio 08, 2011 5:47:00 PM
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 Anônimo disse...
HÁHÁHÁHÁHÁHÁHÁ!!!!!!!MARAVILHOSO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!ADOREI O MESTRADO...VC É UMA LUÍSA F. VERISSIMO!!!!!!

domingo, maio 08, 2011 5:47:00 PM
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 Anônimo disse...
Obrigada pelo envio da crônica abixo e do miniconto. Você escreve muito bem!
Abraços,

domingo, maio 08, 2011 5:48:00 PM

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