segunda-feira, 16 de maio de 2011

Eu, a janela e a chuva


Finalmente o dia amanheceu nublado, preguiçosamente cinza.  Coloquei as cachorras para fora, antes que a grama molhada as impedisse da voltinha matinal. Alimentei os gatos e fui à sacada ver do alto o que estava acontecendo na praça do outro lado da rua. Os marrecos gritavam uns com os outros desesperadamente: “Corram, corram, a chuva vai chegar logo, precisamos encontrar um abrigo seco e seguro”.  E, em segundos, desapareceram pelos túneis verdes de arbustos empoeirados, que estalavam ansiosos.

Abaixo, no meu jardim, contemplei mais uma vez – como tenho feito há dias – o pássaro bicudo e alaranjado que está florescendo: a linda estrelícia que, vagarosamente, desperta em seu ninho de folhas verde-azuladas. Quando as primeiras gotas caíram de uma nuvem faceira, que não conseguiu esperar pelas amigas, eu vi a estrelícia abrir o bico e saborear o puro líquido do regador celestial. Acho que Ele nos presenteou com flores para sempre lembrarmos que temos alma, que existe muito mais importância nas Suas coisas do que nas que criamos.

Entro no meu quarto, e por que não, como se adolescente fosse, volto a deitar-me, mas antes abro a janela e convido a paisagem a invadir meu dia como se fosse um quadro moldurado em madeira. Vejo a palmeira comprida por onde escorre a água da chuva, agora muito mais forte, e escuto a música torrencial que acusticamente me isola do mundo, transformando as paredes da casa em braços de mãe que me protegem. 

Eu amo a chuva. Quando chove, os vizinhos param de gritar, os cachorros não latem, telefones não tocam e os jardineiros desligam os cortadores de grama. Pausa. Aproveito o momento de solidão para esquecer-me dos afazeres e das preocupações. Nada mais existe além de mim, da janela e da chuva. A água, que purifica e acalma, tem esse poder de tirar todas as minhas dores. O sopro do vento conduz as folhas que marcham pela rua como numa manhã de sete de setembro. Com suas mãos, o vento lava os pés do mundo, em total humildade. O sol hoje está descansando no colo de outros povos, que o veneram depois de muitas águas.

Aqui, o ar úmido entra em nosso corpo, levando uma sensação de bem-estar aos pulmões tão cansados dessa seca recente. Água. Bendita água!

Aos poucos, a chuva cessa, e a paisagem refrescada continua a sorrir. Escuto, agora, não mais a água escorrendo pelos muros invisíveis do meu mundo, mas carros que passam vez ou outra, um vizinho caminhando com o netinho que gargalha ao pular as poças no meio-fio e os pássaros a cantar. Um canto de celebração. Eles também são gratos por esse dia molhado, um oásis no meio da semana seca.


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Comentários:

Anônimo disse...
Bom dia Simone!
Vc acordou inspirada, lembrei das manhãs molhadas na minha chácara
terça-feira, maio 17, 2011 10:42:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Aplausos!
terça-feira, maio 17, 2011 10:42:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Lindo, lindo, lindo!!!!!!!!!!
terça-feira, maio 17, 2011 10:43:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
OLÁ, SIMONE, GOSTEI DE SUA CRÔNICA, MUITO BOM APRECIAR ESTA LEITURA. TAMBÉM SOU CRONISTA E ADORO DISCORRER SOBRE NOSSO COTIDIANO, NEM SEMPRE AGRADÁVEL. PARABÉNS...
terça-feira, maio 17, 2011 10:43:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Olá Simone.

Gostei do seu belo relato. Na oportunidade, envio uma crônica de teor parecido. Espero que goste.
Um abraço.
terça-feira, maio 17, 2011 10:43:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
OI! Simone , fico fascinada como vc capta com tanto carinho as lindas coisas que ELE nos deu no nosso dia a dia , mais encantada ainda com seu especial olhar ( a maioria é cega infelizmente )para coisas aparentemente simples mas de uma enorme grandiosidade
que poucos possuem e vc em especial consegue transmitir em palavras. Muita LUZ para vc. Ma
terça-feira, maio 17, 2011 10:44:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Linda crônica.
Já concorreu ao Escriba de Crônicas 2011?
Há tempo!
terça-feira, maio 17, 2011 10:44:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Embora eu não goste de chuva, adorei a crônica, Simone!
terça-feira, maio 17, 2011 10:53:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Que lindo Simone,adorei a "pausa" que vem com a chuva.
Me permita responder seus emails...é que me emocionam!
Um forte abraço
Lúcia
quarta-feira, maio 25, 2011 6:11:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Que lindo Simone,adorei a "pausa" que vem com a chuva.
Me permita responder seus emails...é que me emocionam!
Um forte abraço
Lúcia
quarta-feira, maio 25, 2011 6:12:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
O que posso dizer?
Quanta sensibilidade, hoje tão rara! Amei seu texto. Posso repassar aos meus contatos?
Abraços
quarta-feira, maio 25, 2011 6:14:00 PM

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