terça-feira, 10 de maio de 2011

Personagem do bem


Todos nós já passamos por experiências diferentes, engraçadas até, quando viajamos. Nos anos 90, eu costumava ir à França com meu marido que tinha um projeto de secagem de alfafa em uma pequena cidade chamada Nangis, terra por onde andaram os pés de Joanna D’arc, quando da Guerra dos Cem Anos, e fica a aproximadamente uma hora distante de Paris.  Provins, Fontainebleau Palace, Chateau de Motte-Tilly, inúmeras opções em um raio de 50 quilômetros serviam de motivação para acompanhá-lo muitas vezes a essa pequena cidade. Enquanto ele trabalhava, eu passeava ali por perto.

Bons tempos aqueles! Eu torcia sempre por um pouco de fogo na fábrica. Como a alfafa é auto combustível, quando esquentava demais no secador o pequeno incêndio começava e os engenheiros ficavam malucos tentando resolver o problema. Eram apenas inícios de incêndio, havia um protocolo de segurança a seguir e nunca houve nada de grave, felizmente, para eles e para mim! Os franceses precisavam secar o produto para estocá-lo e servir de alimento para os animais no inverno. Enquanto eles analisavam o problema, eu conhecia toda aquela região, sozinha, o que nunca foi problema para mim. Sempre adicionávamos uns dias de férias no final do período, não tínhamos filhos então e tudo era festa.

Durante os dias em que ele trabalhava, eu ia de trem a Paris, e voltava ao entardecer. Ou de carro, percorria cidades medievais, estacionava e caminhava em ruas de pedras, me encantava com flores coloridas nas janelas, visitava museus e castelos, almoçava em um restaurante charmoso com uma boa taça de vinho. À noite jantávamos em cidades próximas, ou na beira do Sena. Eu não falo francês, fiz apenas um ano de curso com os alunos de Letras da USP, só aprendi o básico e, hoje, nem do básico me lembro mais. Isso nunca me impediu de me aventurar por lá, em um país onde poucos falavam inglês há vinte anos.

Uma vez, tive dor de cabeça. Eu não consegui entender o que se passava, começou com dor de ouvido, depois no maxilar e de repente estava morrendo de dor. Problema de canal! Falei na recepção do hotel onde estávamos hospedados e me indicaram o dentista da cidade. No dentista, eu tentei me comunicar com a secretária que não falava nada além de francês, mas viu meu rosto inchado e fez sinal que eu me sentasse ao lado de uma moça morena e aguardasse . Eu perguntei à moça : “Do you speak English?” ela fez sinal com a cabeça de não. “Kan Du godt tale dansk?” arrisquei, pois na Dinamarca tem muitos imigrantes. Nada. “Sprechen Sie Deutsch?”. Nem pensar. Eu também não falo alemão, nem espanhol, fiz também um ou dois anos quando jovem, mas com o medo que eu tenho de dentista, eu me comunicaria até em japonês. Precisava de alguém que entendesse meu pedido de socorro e segurasse a minha mão. Ou me impedisse de fugir, se necessário fosse. Ok, já desistindo: “Ablas Espanhol?”, e ela, sorrindo me disse: “Não, eu só falo português”. 

Inacreditável, uma intérprete de português e francês, ali, bem ao meu lado! A portuguesa me acompanhou o tempo todo, traduziu tudo e deixou-me muito mais calma. Ofereceu seu número de telefone. Ligou depois no hotel para saber se eu estava melhor. Coincidências da vida. Tenho muitas histórias daquela época. Algumas engraçadas, outras nem tanto. Já furou o pneu do carro em uma estrada no meio do nada, eu sozinha com dois filhos pequenos, voltando de um Akvarium na Dinamarca e quando olhei ao redor estava na porta de uma borracharia, que apesar de fechada, tinha excepcionalmente uma pessoa trabalhando naquele anoitecer no próprio carro... Um dia eu conto a história de quando eu desci um penhasco na Itália por quilômetros e percebi que não tinha saída e nem espaço para virar o carro e voltar...

Sempre encontrei ajuda por onde passei. A gentileza é uma benção, ainda mais assim, quando a pessoa não espera nada em troca, faz com o único objetivo de ajudar um desconhecido. Todos nós podemos fazer isso. Todos nós podemos ser um personagem na vida de alguém. Ser um facilitador, um mensageiro de gentilezas. Por um dia ou por uma vida toda.


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Comentários:

Anônimo disse...
Parabéns pelo texto, Simone.

terça-feira, maio 10, 2011 12:23:00 PM
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 Anônimo disse...
Obrigado pela crônica!

terça-feira, maio 10, 2011 12:23:00 PM
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 Anônimo disse...
Essas suas histórias em outros países são mto interessantes. Mostram que, pro bem ou pro mal, o ser humano é sempre o mesmo, em qualquer lugar.
Abraços.

terça-feira, maio 10, 2011 12:23:00 PM
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 Anônimo disse...
já pensou em que esas atenções e coincidências se devem a senhora e não aos outros?

terça-feira, maio 10, 2011 12:24:00 PM
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 Anônimo disse...
Esse texto me lembrou o filme "A Corrente do Bem"... impressionante , se quisermos, como realmente podemos fazer e acontecer e mudar o mundo... esperando o história do penhasco... rssssssssss

terça-feira, maio 10, 2011 12:24:00 PM
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 Anônimo disse...
Você é ótima!
Nasceu para contar “causos” e eu continuo adorando a maneira como escreve.
Obrigada!
Abraços,

terça-feira, maio 10, 2011 12:24:00 PM
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 Anônimo disse...
Olá Simone!!!
Gosto muito de ler suas histórias de vida, pois além de serem muito interessantes elas nos passam mensagens secretas que talvez nem você tenha se dado conta ainda, ou ao contrário ,nos escreva justamente para nos dizer sutilmente algumas coisas que precisamos ouvir , como essa que acabei de ler onde você sugere que mesmo estando em um lugar onde não conhecemos ninguém , ainda que muitas vezes em apuros sem ninguem para contar é possivel encontrar uma saída . É preciso mesmo coragem para enfrentar o desconhecido e se sair vitoriosa, pois gentileza e solidariedade podemos encontrar em qualquer lugar do mundo. Fica sozinho realmente quem quer ficar.

terça-feira, maio 10, 2011 12:25:00 PM
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 Anônimo disse...
Muito legal.
Gostei

terça-feira, maio 10, 2011 12:25:00 PM
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 Anônimo disse...
Simone, a Humanidade ainda está no azul, no livro do Balanço. Menos mal para o mundo.

Abraço

terça-feira, maio 10, 2011 12:25:00 PM
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 Anônimo disse...
Gentileza gera gentileza, minha amiga. Abracos

terça-feira, maio 10, 2011 12:26:00 PM
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 Anônimo disse...
Oi amiga,
Que bom que voltei a receber teus e-mails.
Sabe, eu não respondo pois sou assim mesmo, mas adoro todos.
Quando aparece De Simone, é sempre uma alegria pois sei que virá algo legal entre tantos outros com cálculos, planilhas, solicitações e reclamações. Voce é o meu recreio.

terça-feira, maio 10, 2011 12:26:00 PM
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 Anônimo disse...
Gostei!

terça-feira, maio 10, 2011 12:26:00 PM
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 Anônimo disse...
Olá Simone, gostei. Obrigada.
abç

terça-feira, maio 10, 2011 12:26:00 PM

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