segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Viajando no passado

Eu estava voltando para casa outro dia, ouvindo um CD com uma coletânea de músicas dos anos oitenta. Distraída, eu me deixei levar pelo som em um tobogã de rápidas lembranças. A música tem esse poder. É uma prece que nos coloca em contato com o celestial, levitando nosso corpo e permitindo que nossa alma liberte-se das terrenas preocupações. Eu gostava muito daquela música, mas foi somente agora que percebi o solo de violinos. Eu que amo violinos, os ignorava quando mais jovem. A infância é assim, nunca estamos em silêncio. Envelhecer tem suas vantagens. 

Naquela época, as crianças andavam soltas pelas ruas, encontrando-se após as aulas para brincar ou fazer trabalhos escolares. As maioria das mães não trabalhava fora, então o café da tarde era normalmente com bolinhos de chuva ou bolo de chocolate, feitos na hora. A educação da criança era quase tribal: aprendíamos umas com as mães das outras. Na saída, uma mãe costumava dizer: “Não toque a campainha insistentemente, apenas uma vez e aguardem!”. A outra, mais preocupada: “Nunca conversem com estranhos”. Os avôs nos contavam estórias enquanto nos deliciávamos com o cheiro de café com leite e pão quente – caseiro, claro - com manteiga.

Havia também a casa dos avós, muitas vezes no mesmo quintal. Alguns que haviam partido, outros que moravam com os filhos, mas o lar permanecia ali, um museu de móveis antigos e cristaleiras de diamantes. Na casa de algumas amigas, estudávamos nessas casas desabitadas, desde que prometêssemos não mexer em nada. E não mexíamos! O passado assoviava em nossos ouvidos que aquele templo merecia respeito.
Quando não bastava consultar na Enciclopédia Barsa, íamos à biblioteca emprestar livros, fazíamos cópias e passávamos a tarde elaborando alguma tarefa. Uma de minhas amigas, a Sonia, a mais habilidosa de todas, desenhava muito bem. Lembro-me de um Padre Anchieta que ela pintou na capa de veludo preto, belíssimo. Não havia obviamente internet, “copiar e colar” como hoje. A criatividade, o trabalho em grupo, o aprendizado com as diferentes famílias nos tornava pessoas emocionalmente mais maduras.

Eu sempre fui péssima em artes, mas adorava estudar. Outra amiga gostava muito de desenhar, ela fazia meus mapas e eu corrigia a lição dela de matemática. Isso foi antes do ensino médio, quando eu ainda entendia a matéria. Depois, deixou de ser algo que eu dominasse e até hoje me perco em álgebra e equações de diversos graus. Tínhamos uma professora japonesa – quem nunca teve um professor ou professora oriental? – que “deixava” todos os alunos de recuperação de inglês. O inesquecível nome dela era Tieko, uma senhora franzina e delicada de meia idade, mas para nós – alunos-, era como se um dinossauro entrasse na classe quando a víamos, de puro medo. Tudo besteira, ela gostava de disciplina, mas era carinhosa com os alunos. Eu gostava de idiomas e era sua assistente nas épocas de recuperação.

Nós alunos nos ajudávamos, não podíamos pagar professor particular. Havia interesse em passar de ano e respeito, muito respeito pelos professores. A diretora da escola era a figura máxima de autoridade. Ser convidado a conversar com ela era sinal de problemas muito sérios. Hoje, as crianças não respeitam nem os pais, que passam pouco tempo com elas e muitas vezes não sabem como foi o seu dia, se tinham trabalhos escolares, se comeram bolo no café da tarde ou se choraram a tarde toda porque brigaram com um coleguinha. Os pobres professores são atacados verbalmente – quando não fisicamente – e os pais quando chamados os protegem e procuram culpados outros.

Pensando nisso, Deus fez o domingo para pais e filhos se confraternizarem e resgatarem um pouco desse contato cotidiano que hoje não é mais possível. E para que nós, adultos, saibamos a importância da infância, Ele fez a música, que tem o poder de nos transportar no tempo num piscar de olhos, desconectando-nos de nossas preocupações e permitindo que reflitamos sobre o que desejamos para os nossos pequenos.


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Comentários:


Anônimo disse...
Oi, Simone querida!
Postei sua matéria no meu blog particular. Ri bastante, lembrando de uma professora de matemática, Japonesa, puquuena e magra, era nosso terror. Havia alunas que tinham dor de estômago qdo ela entrava na sala. Teve um ano que ela deixou todas as alunas de "segunda -epoca", não havia recuperação. Nem sei como consegui passar de ano! Enfim, tudo passa. Ficam as lembranças pra quem, como nós tem boa memória, não é?
Bj e obrigada,
Regina

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Regina Sormani
coordenadora regional AEILIJ SP

domingo, fevereiro 27, 2011 10:40:00 AM
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 Anônimo disse...
Parabéns e para ficar no clima: Nota 100, com louvor.
Ico

segunda-feira, fevereiro 28, 2011 4:49:00 PM
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 Anônimo disse...
Bela transposição para a nossa memória de hoje, daqueles tempos maravilhosos que tão bem você colocou nessa crônica,

Meus parabéns e obrigado, por fazer recordar daqueles momentos tão inocentes de nossa época de juventude.

Abraços extensicos à sua família.

segunda-feira, fevereiro 28, 2011 4:50:00 PM
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 Anônimo disse...
SI,MEU AMOR!!!!!
TÔ COM SAUDADE DE VC,NÊGA....
SUAS HISTÓRIAS SEMPRE TÃO GOSTOSAS,ESSA ME FEZ VOLTAR LÁ PRO SESI,E PRO ANA PAES...
TEMPOS LINDOS(NÃO QUE O TEMPO PRESENTE NÃO SEJA LINDO,COM NOSSAS CRIAS,NOSSAS DESCOBERTAS DE VIOLINOS NO ARRANJO TÃO OUVIDO,MAS AQUELES TEMPOS,MEU DEUS...)
É SEMPRE UM PRAZER LÊ-LA,SI.

segunda-feira, fevereiro 28, 2011 9:27:00 PM
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 Sonia Sambra disse...
Si...lembro-me desse Padre Anchieta...rsrs... lembro até que esse nosso trabalho ficou exposto. Nossa que orgulho né??... Eu tenho alguns desenhos aqui em casa qdo fiz um curso em 92, 93... depois disso não desenhei mais. Mas... é incrível vc resgatar essas memórias. O tempo inesquecível...rsrs

quinta-feira, junho 23, 2011 5:22:00 PM

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